“O
Direito e Transformação Social” foi o tema da primeira conferência do XXII
Congresso Brasileiro de Magistrados, a cargo do ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Luís Roberto Barroso. O presidente da Escola Nacional da
Magistratura (ENM), da AMB, Cláudio dell’Orto, presidiu a mesa.
“O ministro vai nos falar sobr e
este tema tormentoso que é a transformação da sociedade que vivemos, que está
sofrendo as mutações próprias da vida e a aplicação do Direito nestas situações”,
introduziu o magistrado.
Barroso iniciou sua palestra falando sobr e as mudanças no papel do juiz, que
necessariamente acompanham as transformações da sociedade br asileira. “O papel do juiz era, no passado, de
identificar as normas aplicáveis e fazer valer nos casos concretos a solução
que o legislador ou o constituinte já havia previsto nas leis. Esta função
estritamente técnica foi sendo acoplada a um outro papel, uma vez que a
sociedade contemporânea é marcada pela complexidade, pluralismo e diversidade.
O Direito já não consegue prever toda a gama de situações que ocorrem nessa
sociedade complexa que vivemos. De modo que, em múltiplos casos, o juiz se
torna um coparticipante no processo de criação do Direito naquelas situações
para as quais não existe uma solução pré-pronta”, explicou.
O aumento da subjetividade judicial, segundo o
ministro, também potencializa o poder dos juízes. Diante desta constatação,
Barroso enfatizou um ponto crucial: o Judiciário tem capacidade de mudar o
curso e a qualidade dos debates.
E apresentou reflexões a respeito da democracia
contemporânea, feita de votos, de direitos e de razões: “O voto é a dimensão
representativa e tem os agentes eletivos como protagonistas. No âmbito dos
direitos, o protagonista é o Poder Judiciário. E as razões nos mostram que vivemos
em um mundo em que a participação política não se esgota no voto, mas se dá com
um debate contínuo e permanente”.
Nesta questão, de acordo com o ministro, reside um
dos grandes problemas do Brasil: a má qualidade do debate público. “É preciso
acabar com a prática br asileira de
que quem pensa diferente precisa ser desqualificado moralmente. Em vez de focar
no argumento, o debate foca no outro. É necessário civilizar e qualificar o
debate público, com respeito, consideração e espírito de diálogo”, defendeu.
O sistema eleitoral br asileiro
– com modelo em que menos de 10% dos deputados federais são eleitos com votação
própria, e sim pela transferência de votos do partido – traz um outro entrave
institucional. O eleitor não sabe quem elegeu e o eleito não sabe a quem ele
deve a sua eleição.
Outros pontos problemáticos, segundo o ministro, são
o sistema punitivo no Brasil, que “é feito para pegar pobr e”,
o modelo de prescrição e o sistema recursal br asileiros.
Este último contribui, inclusive, com o congestionamento judicial, provocado em
grande parte pelo fenômeno da judicialização.
“Vivemos uma epidemia de processos no país. Se por um
lado isso significa que os cidadãos estão cientes de seus direitos e confiam no
Judiciário, por outro revela que os conflitos não estão sendo resolvidos com
acordos ou administrativamente, como deveria ser”, afirmou.
O ministro enfatizou que não há estrutura que dê
conta de tamanha demanda. “O volume ultrapassa a capacidade física razoável das
pessoas. E o maior cliente individual é o poder público, que litiga de forma
que sobr ecarrega o sistema e faz mal
para a Justiça. Ninguém pode achar que o litígio seja a forma natural de viver
a vida e de uma democracia fluir com naturalidade. No futuro, o grande advogado
vai ser aquele que não propõe uma ação judicial”.
Barroso ainda falou sobr e
a atuação do Supremo, que, segundo ele, desempenha três papeis diferentes: o
contramajoritário, já que pode invalidar atos do Poder Executivo e do Poder
Legislativo; o representativo, em situações em que o STF atende demandas
sociais que não foram contempladas em tempo pelo processo político majoritário,
como no caso do fim do nepotismo no serviço público, uma decisão histórica
possível graças a um pedido da AMB; e o papel que ele chama de iluministra, em
casos em que o Supremo “dá uma empurrada na história quando ela emperra”, o que
aconteceu na decisão das uniões homoafetivas.
“Não vinha lei, mas era um avanço civilizatório
necessário. O Estado não tem direito de desqualificar o afeto de alguém. O
Estado é laico e as pessoas são iguais”, afirmou.
Por fim, o ministro deixou um recado positivo neste
momento de crise. Ele lembr ou de
toda a evolução que o país protagonizou em pouco mais de 200 anos, desde que a
família Real chegou ao Brasil. “Quando tudo parece ir mal, é preciso olhar para
trás e ver que construímos um país em pouco tempo. A crise é positiva para
criar uma sociedade melhor, e o Judiciário desempenha um papel muito importante
neste quadro”, concluiu.
XXII CBM
A programação científica do XXII Congresso Brasileiro
de Magistrados começou nesta sexta-feira (30) e vai até amanhã (31), com a
presença de autoridades e nomes de destaque do Judiciário. “Este encontro que a
AMB realiza aproxima as pessoas que se dedicam à mesma função e permite uma reflexão
coletiva. Os juízes pensam uma agenda, quais são as questões que precisam ser
enfrentadas”, disse o ministro Barroso sobr e
o evento.
Luciana
Salimen
Fonte: Portal AMB
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