terça-feira, 3 de novembro de 2015

EM PALESTRA NO XXII CBM, MINISTRO BARROSO DESTACA MUDANÇAS NO PAPEL DO JUIZ E CONDENA CULTURA DO LITÍGIO

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“O Direito e Transformação Social” foi o tema da primeira conferência do XXII Congresso Brasileiro de Magistrados, a cargo do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso. O presidente da Escola Nacional da Magistratura (ENM), da AMB, Cláudio dell’Orto, presidiu a mesa.
“O ministro vai nos falar sobre este tema tormentoso que é a transformação da sociedade que vivemos, que está sofrendo as mutações próprias da vida e a aplicação do Direito nestas situações”, introduziu o magistrado.
Barroso iniciou sua palestra falando sobre as mudanças no papel do juiz, que necessariamente acompanham as transformações da sociedade brasileira. “O papel do juiz era, no passado, de identificar as normas aplicáveis e fazer valer nos casos concretos a solução que o legislador ou o constituinte já havia previsto nas leis. Esta função estritamente técnica foi sendo acoplada a um outro papel, uma vez que a sociedade contemporânea é marcada pela complexidade, pluralismo e diversidade. O Direito já não consegue prever toda a gama de situações que ocorrem nessa sociedade complexa que vivemos. De modo que, em múltiplos casos, o juiz se torna um coparticipante no processo de criação do Direito naquelas situações para as quais não existe uma solução pré-pronta”, explicou.
O aumento da subjetividade judicial, segundo o ministro, também potencializa o poder dos juízes. Diante desta constatação, Barroso enfatizou um ponto crucial: o Judiciário tem capacidade de mudar o curso e a qualidade dos debates.
E apresentou reflexões a respeito da democracia contemporânea, feita de votos, de direitos e de razões: “O voto é a dimensão representativa e tem os agentes eletivos como protagonistas. No âmbito dos direitos, o protagonista é o Poder Judiciário. E as razões nos mostram que vivemos em um mundo em que a participação política não se esgota no voto, mas se dá com um debate contínuo e permanente”.
Nesta questão, de acordo com o ministro, reside um dos grandes problemas do Brasil: a má qualidade do debate público. “É preciso acabar com a prática brasileira de que quem pensa diferente precisa ser desqualificado moralmente. Em vez de focar no argumento, o debate foca no outro. É necessário civilizar e qualificar o debate público, com respeito, consideração e espírito de diálogo”, defendeu.
O sistema eleitoral brasileiro – com modelo em que menos de 10% dos deputados federais são eleitos com votação própria, e sim pela transferência de votos do partido – traz um outro entrave institucional. O eleitor não sabe quem elegeu e o eleito não sabe a quem ele deve a sua eleição.
Outros pontos problemáticos, segundo o ministro, são o sistema punitivo no Brasil, que “é feito para pegar pobre”, o modelo de prescrição e o sistema recursal brasileiros. Este último contribui, inclusive, com o congestionamento judicial, provocado em grande parte pelo fenômeno da judicialização.
“Vivemos uma epidemia de processos no país. Se por um lado isso significa que os cidadãos estão cientes de seus direitos e confiam no Judiciário, por outro revela que os conflitos não estão sendo resolvidos com acordos ou administrativamente, como deveria ser”, afirmou.
O ministro enfatizou que não há estrutura que dê conta de tamanha demanda. “O volume ultrapassa a capacidade física razoável das pessoas. E o maior cliente individual é o poder público, que litiga de forma que sobrecarrega o sistema e faz mal para a Justiça. Ninguém pode achar que o litígio seja a forma natural de viver a vida e de uma democracia fluir com naturalidade. No futuro, o grande advogado vai ser aquele que não propõe uma ação judicial”.
Barroso ainda falou sobre a atuação do Supremo, que, segundo ele, desempenha três papeis diferentes: o contramajoritário, já que pode invalidar atos do Poder Executivo e do Poder Legislativo; o representativo, em situações em que o STF atende demandas sociais que não foram contempladas em tempo pelo processo político majoritário, como no caso do fim do nepotismo no serviço público, uma decisão histórica possível graças a um pedido da AMB; e o papel que ele chama de iluministra, em casos em que o Supremo “dá uma empurrada na história quando ela emperra”, o que aconteceu na decisão das uniões homoafetivas.
“Não vinha lei, mas era um avanço civilizatório necessário. O Estado não tem direito de desqualificar o afeto de alguém. O Estado é laico e as pessoas são iguais”, afirmou.
Por fim, o ministro deixou um recado positivo neste momento de crise. Ele lembrou de toda a evolução que o país protagonizou em pouco mais de 200 anos, desde que a família Real chegou ao Brasil. “Quando tudo parece ir mal, é preciso olhar para trás e ver que construímos um país em pouco tempo. A crise é positiva para criar uma sociedade melhor, e o Judiciário desempenha um papel muito importante neste quadro”, concluiu.
XXII CBM
A programação científica do XXII Congresso Brasileiro de Magistrados começou nesta sexta-feira (30) e vai até amanhã (31), com a presença de autoridades e nomes de destaque do Judiciário. “Este encontro que a AMB realiza aproxima as pessoas que se dedicam à mesma função e permite uma reflexão coletiva. Os juízes pensam uma agenda, quais são as questões que precisam ser enfrentadas”, disse o ministro Barroso sobre o evento.

Luciana Salimen

Fonte: Portal AMB

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